terça-feira, 30 de novembro de 2010

As Palavras,sei lá de quem...



As palavras saem quase sem querer,
rezam por nós dois.
Tome conta do que vai dizer.
Elas estão dentro dos meus olhos,
da minha boca, dos meus ombros.
Se quiser ouvir é fácil perceber.
...

Depois daquele Chez Café, li o livro que você me deu. Devorei cada palavra de Martha, escritas com a precisão que só quem já sofreu por amor pode entender. Fui destruído por aquelas sentenças carregadas de sofrimento, tomando-as por suas cada uma das frases ácidas, das descrições minuciosas de tantas dores, tantas aflições.

E eram verdadeiras, todas. Não posso negar-lhe este direito, essa dor. Você tem razão, sou a fúria enquanto em você reside toda a paixão que nos moveu ao longo destes tempos. Sou aquele que esvazia, que se ausenta, que cala, que omite, que some, que maltrata. Sou aquele que merece ouvir tais múrmurios, tais lamentos, tais descargas de dor e ódio, de incompreensão e angústia. Sou aquele que merece estar destruído.

Afinal, sou aquele mesmo que permitiu tudo isso acontecer. Sou aquele que nunca disse, nunca esboçou, nunca demonstrou. Sou aquele que preferiu o refúgio fácil, o silêncio que se queria tácito. Sou aquele causador de todos seus dissabores.

Mas, ao doloroso fim, sou aquele que admira sua capacidade racional de negar tudo isso. De por um ponto onde poderiam haver reticências. Mas se sempre houve reticências, e delas nunca brotaram um bilhete no espelho, por que continuar? Admiro-te por conseguir afastar-me de ti, afastar todo o mal que lhe causei e que porventura ainda poderia lhe causar. A verdade é que não sei se poderia fazer diferente. Se poderia oferecer algo além do que foi, antes, insuficiente.

Tentei, rasguei sua alma e pus no fogo.
Não assoprei, não relutei.
Os buracos que eu cavei não quis rever
Mas o amargo delas, resvalou em mim.
Não deu direito de viver em paz
Estou aqui para te pedir perdão

Nas palavras de Martha encontrei a frase: “Eu te amo, você me ama, mas nunca me senti acompanhada”. Se não são suas, não seriam de mais ninguém tais palavras. Elas me machucaram de tal forma que ainda estou hoje tentando reerguer-me. De certo modo também nunca me senti assim, acompanhado. Por culpa minha, que fique claro. Que nunca me permiti abrir e revelar-me como eu e você merecíamos. Talvez não estivesse preparado. Talvez nunca esteja.

Fui ao show de Caetano, e desejei ardentemente que não te encontrasse. Mas o destino quis que sentasse logo perto de mim, e senti-me impelido a lhe cumprimentar. Não me interpretes mal, não quero acabar com sua nova promessa de felicidade. Não quis interromper aquele novo “mito fundador” que empenhas em construir. É que tudo ali me remetia a você, as músicas, as piadas, a expectativa do depois, e sobretudo o sentimento.

Não pude não pensar no nosso próprio mito, em tantos discursos e silêncios, momentos e projeções. Foi tudo tão forte,… Como O Quereres, como Nosso Estranho Amor. Como Tudo Diferente. E, claro, Leãozinho. Como aquele olhar que trocamos, de uma cumplicidade arrebatadora, dilacerante.

Ali me pus a pensar nessa grande cumplicidade que nos levou a indicar, um ao outro, alguma arte a nos ajudar na difícil separação. Eu, o teatro, você, as letras. Aquela Festa de Separação também era a minha expressão desta dor e deste vazio que ora me toma. Era a expressão desta cumplicidade nunca antes por mim valorizada. No palco, eles souberam seguir cúmplices. Na vida, não consigo.

Somos tão cúmplices, tão idênticos na arte e no sofrer. E por quê não no amar?

A mim, cabe o sofrimento de não saber amar, não saber resgatar-te da torre, não surpreender, não encarar, não dizer. A ti, imagino que seja o sofrimento de não encontrar em outros abraços, outros sexos e outros silêncios os meus olhares densos, o meu mistério, a minha sensível dureza. Mas penso que você poderá encontrar intensidade em outros tantos gestos, tão logo supere este penar. Eu estou encerrado neste não saber, neste semear de pedras e vazios.
As palavras fogem se você deixar
O impacto é grande demais
Cidades inteiras nascem a partir daí
Violentam, enlouquecem não me fazem dormir
Adoece e curam, não me dão limites
Vá com carinho, no que vai dizer

E sigo neste vazio em que eu nos deixei. Para não provocar mal em mais ninguém, além de mim apenas. Pois entendo que em nenhum outro abraço encontrarei a você. Em nenhuma outra palavra encontrarei tão absoluta sinceridade. Em nenhuma outra mão encontrarei teu afago. Em nenhum outro olhar encontrarei sentido.

Em ninguém encontrarei tão bela oportunidade de amar e ser amado.



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