domingo, 15 de maio de 2011

De longe ninguém é do mal


Eu dei um soco na cara daquele rapaz. E só consegui pensar em minha mãe. Quem me conhece sabe que só teria coragem de matar pombos (isso porque odeio pombos) e no mais, jamais tive na infância qualquer ato agressivo próximo a isso. Ele tocou no nome da minha mãe, foi isso. O que ele não sabia, pobre rapaz, é a distância que me separa dela. O que ele não sabia que meu corpo está transbordando de saudade. O que ele não sabia era o cuidado que guardo o nome dela dentro de mim. E que ninguém nessa situação de saudade e solidão que me encontro poderá falar dela em vão. Ela é esse sentimento maior que amor, que é tudo que guardo comigo como quem guarda algo numa caixa e todo dia pela manhã abre pra saber se esta lá. E que o fato dessa caixa não esta guardada aqui comigo me colocou agressivo diante dele. Sim, eu dei um murro na cara dele após ouvir dele algo sobre minha mãe. Pobre rapaz, pobre ato meu. Foi uma forma animal de defesa. Me senti um bicho em ter feito aquilo, nada justifica a agressão, mas serei humano em reconhecer que foi também um alivio,que me fez brigar pelo meu sustento emocional. Sempre tive esse receio de em algum ponto da minha vida deixar de ser a vítima para ser o agressor. Não é apologia, apenas a consciência da estranha harmonia entre ser bom, ser humano e ser mal.

Não sei definir sentimentos. Eu tenho idéia de quase todos. O que se pode dizer daquilo que nos toca profundamente e que parece encher a cabeça da gente de ar, que faz você arrepiar ao ouvir uma canção. O que seria esse sentimento que faz com que você num domingo cedo, veja o apartamento como um espaço tomado por algo transcendental? Seus livros, CDs, a sua cadeira predileta, o café sobre a mesa, tudo configurando com esse sentimento que não se deve nunca de perto saber o nome. Vida deve ser isso: pensar em quem se ama fortemente, aí passa todo mundo na cabeça em formato piegas de um clipe, sim...sim você olhando fixamente para a chuva que cai lá fora e vem a imagem da sua mãe, dos seus sobrinhos brincando na cama com você, você volta a sentir seu corpo suado daquela foda maravilhosa que você teve em uma noite fantástica com vinho e música. A música nem termina e você lembra o tempo em que ficava observando a chuva da janela do seu quarto. Você percebe que é a mesma chuva porem ela não vem com desenhos imaginários daquele tempo. Você ainda pensa naquela roupa que sua mãe colocava em você para ir a missa. Era obrigatório ir a missa, cantar aqueles hinos religiosos. Os carinhos dados pela minha mãe. Ela não faltou em nada. E esse sentimento que não sei definir que sinto por ela é a única prova da minha existência. É o que tem de mais humano em mim. Me colocava no colo e ficava alisando meu corpo e eu ficava pegando em sua boca. Sempre adorei a boca da minha mãe. E sempre por mais que me falem em amor a única pessoa que consigo pensar é somente nela. Me sinto muito mal por não saber colocar a ela da forma mais justa esse sentimento. Não sei qual medida muito menos a forma Sempre o gesto mais simples sempre deixa a fala e ou pensamento entrar em ação.

O domingo nasceu molhado, o livro sobre essa mesa molhado, um dia, uma canção e um homem chorão. Um cara durão metido a ter todas as formas de resolver problemas, um marmajão não deve chorar. Que ridículo isso, melhor enxugar tudo isso e pensar em não pensar nisso. É esse sentimento que não posso chamar de saudade, é bem maior que isso. Saudade é muito pouco, ela aparece e some. O que sinto é um desejo que não é desejo. Volto a dizer que esse sentimento não tem nome. Um filme nos emociona, uma música, um livro, uma paisagem, um gesto, uma palavra. Não entenda que estou fazendo uma visão oba-oba da vida. E também me perdoe por deixar esse texto complicado. Procuramos o tempo todo nos ocupar, trocamos paixões por ponderações, afazeres diários e justamente o engraçado que o que mais me define nessa hora é o meu desejo e minha solidão, apesar de acreditar que são sentimentos abertos demais pra mim. É uma grande guerra que travo sem fim.