segunda-feira, 9 de julho de 2012

Nossa relação dentro dos livros empoeirados na estante.


Chegou assim cheio de flores nas mãos. Nada de verbos, nada de adjetivos, nada de riso... Foi assim, então, que ele chegou ao meio daquela tarde enchendo minha vida de cores, beijos e abraços. No fundo era bem mais que isso, era a tentativa de resgatar os dias de sol que passamos juntos. Apesar de que os seus dias molhados e cinzas eram os seus dias favoritos.
Depois quis romper todo aquele silêncio, falou um pouco das tuas incertezas, disse que sua vida só tinha sentido depois de ter me encontrado. Falou das possibilidades que eu tinha na estante de ter assuntos interessantes ao longo da vida. Disse que ali haviam palavras misturadas e autores que “não se bicavam” lado a lado [referindo se aos livros filosóficos]. Fez uma relação entre os meus livros e os livros que já tinha lido na vida. Começou a ler fragmentos de alguns livros e lia em voz alta enquanto eu, já na cozinha, preparava o café.

“E não é mau que as coisas nos encontrem outra vez todo dia e sejam as mesmas”. Essa foi  a primeira frase que ele se colocou a ler e que se misturava com o cheiro do café. A frase de J.Cortázar, o cheiro do café e sua presença iam colocando cor naquela tarde que até então não passava de mais uma tarde de um domingo morto, todo cinza com seus ritos de dia de domingo. Do nada assim na cozinha me bateu uma alegria no meio dessas palavras todas que ele ia lendo com seu jeito meio grosso e sério de ser. Com seu jeito que não combinava com a leitura, mas que pra mim combinava, justamente por não combinar. Era desajeitado o seu grosso modo de falar, a sua voz forte e cadenciada recitando frases. Eu tomava o café e olhava para as flores sobre a mesa. E eu  não olhava muito pra ele, justamente  pra não o deixar sem graça. Simplesmente porque estava bonito ele lendo aquelas frases todas.

 “Olha, eu sei que o barco tá furado e sei que você também sabe, mas queria te dizer pra não parar de remar, porque te ver remando me dá vontade de não querer parar também. Tá me entendendo?  No final da tarde, quando aquele sol tímido ia partindo veio essa frase de Caio Fernando Abreu. Ele então ficou repetindo isso umas 12 ou 15 vezes andando de um lado para o outro da sala até decorá-la. Deixou o livro sobre a mesa e pegou mais um café. Pensei que ia querer comentar a frase, que sem dúvida alguma é uma das genialidades do Caio. Pulando a fase deprê , dos chás, daquela coisa “amigo porra louca” que há em Caio,o resto eu fico com tudo. Ele me pediu pra levar o livro, pediu também se ele poderia ligar mais tarde pra saber como eu estava. Eu falei que o nosso tempo passou, e que o rumo,agora, é de cada um. Que é besteira acreditar que lá na frente seremos felizes. Se fosse pra haver essa tal felicidade,se daria ali naquela hora. Nossa tempestade nunca passou e nem vai passar, porque enquanto teve dias ensolarados, apenas eu quis o mar, o barco, a vela e toda a poesia e as músicas da relação...  Eu pulei de cabeça enquanto você se protegeu de um fator  que era impossível penetrar diante de todo o sol da nossa relação.  É isso, estamos numa tempestade, encharcados  de lamas mentirosas e discursos pintados em paredes de ilusão. E você bem sabe que essa tempestade está dentro de você, ela não está em mim. E ela não vai nunca acabar porque em se tratando de relação você gosta do vento forte que chega levando tudo, gosta das ondas altas que agitam o mar, gosta da enxurrada que arrasta tudo pra outro lado. Você gosta do risco de uma relação, dos rabiscos de um poema feito em mesa de bar, do sexo com briga,do grito cara a cara, das coisas do seu jeito. 

É um verdadeiro tormento tentar remar contigo nesse teu barco que vai acabar virando nos impossibilitando de chegar a algum lugar. Preciso esquecer nossos sonhos de uma noite de verão, preciso esquecer desse seu jeito de conversar comigo, desse seu jeito de querer me ouvir e de gostar  de me ouvir, preciso parar de querer entender  e tentar colorir os seus  dias tristes. Eu não daria conta, meu mundo é outro. Um tanto chato por tanta poesia, por tanto colorido que insisto em colocar nele, um mundo quase imaginário dos romances que ando lendo pra ir preenchendo, pra ir levando e ir vivendo, sem apenas existir. Isso tudo pra ver se eu chego a algum lugar, ainda que sozinho, contudo cheio de paz e esperança...

Saiu assim tão leve da minha casa com o livro nas mãos, o avistei da janela. Andava quase que levitando, com aquela cara de despreocupado, cara de um rapaz feliz. Só eu sei que dentro dele havia o peso de me carregar, ainda, em seus pensamentos.


2 comentários:

Henrique Brinco disse...

"Você gosta do risco de uma relação, dos rabiscos de um poema feito em mesa de bar, do sexo com briga,do grito cara a cara, das coisas do seu jeito". Esse texto foi escrito baseado em mim? Chocado. Adorei.

Jean Sodré disse...

Tocante, bonito e desesperado... Rsrsrs.