Faço das palavras o meu barco...
A poesia tomou conta da nossa intimidade. Pegou
pra ela aquilo que, nós dois, não daríamos conta de entender. Seria bom deixar
nosso amor aos cuidados dela.
Tanta delicadeza ao ler Caio
Fernando Abreu as 3h da manhã...
Marcou em uma hora um pouco incomum 22:40 hs da
noite. Veio como um milagre alvo, cintilando o vermelho da regata, o sorriso
ainda tímido e o olhar enquadrado pelos óculos da tenra idade. O ar da juventude
se instalou como um canhão de luz que me apresentava um rapaz risonho e descritivo de beleza. Uma beleza de
um rio tranquilo sendo levado ao mar de mistérios, ainda mais
profundos. Não sei explicar a alegria tomada aquela hora. Dei então um abraço e um
beijo na nuca.
O seu jeito de homem maduro. O meu jeito de
menino perdido. Os papéis da maturidade trocados no caminho do ponto até o
apartamento. As palavras ainda não estavam confortáveis, apenas meus olhos. Elas não possuíam as
referências todas que traçamos antes do encontro. Era uma questão de tempo. A cor
vermelha era o rubor das nossas faces. Não tinha a menor ideia do que estava
por vir. Estávamos jogados nos braços do inesperado diante de um largo com
águas paradas. Percebi que ficava procurando os seus olhos, a toda tentativa de
diálogo eu procurava o seu olhar.
Chegamos ao apartamento. Mas de quem era o
apartamento? Se era meu, não tinha a menor ideia do espaço. As ordens das
coisas. Não sabia que teria que oferecer água, não sabia que música colocar, não
sabia se era permitido sentar tirar os chinelos. Esqueci que tinha um filme preparado
aguardando o play [ Cinderela em Paris]. Também esqueci que era pra deixar as
luzes apagadas, para que as velas entrassem em ação e brilho. Tudo foi tomado
por um jeito de não saber fazer mais nada, daquilo que me era comum. Foi então
que fiquei perdido dentro de alguns minutos nas minhas formalidades. Não havia
mundo lá fora para mim. E eu gostava daquilo tudo, era puro amor e minha boca
então se colocou a falar...
A cor vermelha dos livros na estante. Mexeu nos
livros. Disse que era possível que tivéssemos uns 26 livros em comum. Os
números não exatos, instigantes na sua
percepção. Foi nessa hora que tentei
falar sobre Adélia Prado. De um de seus poemas que eu gosto muito e que não
lembrava naquele instante. Um poema que falava da não urgência dos sentimentos.
Uma pena a memória falhar justo agora no curso da escrita. Foi então que me
referi a outro poema dela chamado “Casamento”. Que é muito bonito também.
Ele então pegou um livro de Vinicius e sorriu
para mim com a surpresa de algo que viria.
Começou a ler “Elegia ao primeiro amigo”. O vermelho entrou nas duas
taças de vinhos. Tentei beber toda a taça de uma só vez para tentar liberar o
que tudo aquilo provocava em mim. É que poesia, música e vinho são ingredientes
maldosos para um coração. Para o meu
coração, que a tão pouco tempo foi dilacerado por uma ilusão. Não, não quero
mais viver dessa fantasia. Então as
águas se soltaram e a enxurrada atravessou a sala, carregando livros, vontades
e as taças de vinho. Aconteceu o beijo.
O mistério do seu olhar, do seu nariz, do teu
ouvido, quase não saía da tua boca. O beijo era a espuma, o meu mar,a minha inscrição
nesse teu universo particular das palavras. O vermelho estava presente na
estética do filme [ Precisamos falar sobre Kevin].
A fantasia foi maior que tudo. O cheiro do
cigarro no meu cabelo, os seus belos mamilos sendo chupado como quem chupa uma
pitanga fresca. O gosto, a dor e o pudor traçados no sofá. O vermelho agora
marcava nossos corpos. A fantasia continuou no quarto. Eu não usava máscaras e
me despi de fantasias, estava nu diante do nosso carnaval. Nossos corpos
entregues ao prazer. O caminho que percorremos juntos ao gozo final. O seu jeito de puta de
fino trato, tanta leveza, tanta delicadeza nos modos de fuder, poderia dizer
amar, mas não estou, agora, fantasiado. Toda a poesia, os encantos das lindas
canções nos levaram até a minha cama. Despido de todo o conhecimento deixamos
os corpos ao prazer da carne. O vermelho agora estava na ponta do meu cigarro.
Fumamos pelados na janela. Cigarro de puta! Conversamos ouvindo músicas, enquanto
a fumaça tomava conta do quarto. A fumaça tomou conta dos meus pensamentos. Ela
acompanha minha visão,bem agora que você já se foi. Ela me faz lhe encontrar na
sala, no banheiro e na minha cama. Ela me acompanha enquanto ouço aquela canção
bobinha da Adele que você me apresentou. Em tudo a sua ausência se faz
presente. Tantos fragmentos teus vivem dentro da minha memória.
O vermelho agora está nos meus olhos. E fique tranqüilo,
não estou chorando...
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