terça-feira, 14 de junho de 2011

Aquele que venera Dionísio

Talvez a desculpa seja a falta de dúvidas, ou o melhor mesmo seja justamente isso. Um descomprometimento com qualquer história, um despreendimento temporal que nos leva a afastar as certezas. Descubro seu rosto sem descobrir coisa alguma. Suas palavras ácidas, tão cheias de música, esbarram nos ruídos das minhas certezas, tão imprecisas. Gosto de ensaiar diálogos imaginários com um outro você, que escorrega para longe do meu alcance. Guardo a sensação de estranheza que me aproximou de você, como instrumentos dissonantes numa batida insistente. É o incômodo de não conhecê-lo que me leva a querer mais e mais desejar (ler) você. Por que não posso pensar em toda essa confusão? Por que não posso simplesmente não pensar?

"Eu ouvi dizer que você assim como quem não quer nada perguntou por mim... agora... logo agora... justo agora... Eu ouvi você me dizer que sim, mas era silêncio que se ouvia, quando dei por mim... agora... logo agora.... justo agora..."


Guardo para você as coisas que não existem. As cartas de amor que nunca vou escrever. Nossas palavras não combinam mais. Meu desejo irrompe de tudo isso que é estranho a mim e nasce agora a partir de você. Não preciso de você, as coisas não precisam de você...


Supõe que já cruzamos pela vida • Mas nos deixamos sempre para trás • Porque eu andava sempre na avenida • E tu corrias pelas transversais • Supõe que num comício colorido • A praça enfim vai nos conciliar • Supõe que somos do mesmo partido • Supõe a praça a se inflamar • Bandeiras soltas pelo ar • E tu começas a cantar • Supõe que eu vibro comovida • E supõe que eu sou tua canção • Supõe que te apresentas como amigo • E me perguntas nome e profissão • Comentas que faz sol ou tem chovido • Ou outro comentário sem razão • Supõe que eu te observo compreensiva • Porém não tenho nada a acrescentar • Supõe que falas coisas desta vida • Como querendo aparentar • Que tu tens muito a contar • Que és um tipo original • Supõe que eu rio divertida • E supõe que eu sou tua canção • Supõe que nós marcamos um cinema • Mas chegas lá pro meio da sessão • Pois teu trajeto tem algum problema • Que só te leva numa direção • Supõe que agora a tela me ilumina • Tu ficas assistindo ao meu perfil • Supõe a minha mão tão recolhida • Que não percebe a tua mão • Que não percebe a minha mão • Que não é sim que não é não • Supõe que eu sigo distraída • E supõe que eu sou tua canção • Supõe que a boa sorte é nossa amiga • E que das três às cinco pode ser • Meu pai acaba de dobrar a esquina • E tu vens me encontrar, enfim mulher • Supõe que sem pensar nos abraçamos • Supõe que tudo está como previmos • É a primeira vez que nos amamos • Supõe que falas sem parar • Supõe que o tempo vem e vai • Supõe que és sempre original • Supõe que nós não nos despimos • E supõe que eu sou tua canção •

Supõe (Supon)
Silvio Rodrigues, Versão: Chico Buarque

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