quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Recuperar a lucidez



Duas senhoras entraram juntas no ônibus. Uma sentou-se ao meu lado e a outra no outro banco, pois não havia um lugar para que pudessem seguir juntas a viagem. Estava sem livros pra ler  e com meu celular e ipod sem bateria. Então a única coisa que me restou foi  prestar muita atenção a conversa das duas.
Elas não paravam um segundo de falar. A senhora do meu lado falava...falava e falava muito. Elas diziam coisas sobre a situação atual, casamento, filhos e bens. A do meu lado mal deixava a outra falar e dizia:
_ Minha filha quis que eu morasse no Itaigara (bairro super nobre), mas eu gosto muito é da Graça (outro bairro super nobre), gosto mais da Graça, lá tudo é muito mais perto, me sinto melhor, agora aqui no Itaigara eu me sinto sozinha.
A outra então mal a deixava terminar e já emendava:
_ Ah eu adoro o Itaigara, acho tão tranqüilo, tudo é muito perto. Eu sinto saudade dos meus filhos. Eles não moram mais comigo e daí tem horas que fico super carente deles,sabe.
(...) Nesse momento falava-se das qualidades dos filhos num frenesi de resumi a vida dos filhos em apenas 3 minutos. Nessa hora, pensei em filhos sem defeitos de fábrica, filhos geneticamente trabalhados para serem bem sucedidos na vida: filhos sem dores de parto, sem frustrações amorosas, filhos sem estresse com trânsito, filhos sem doenças, filhos pacientes, filhos xodó e abençoados de Deus ou em filhos criados por cientistas do novo milênio!
E numa série de ninguém ouve ninguém elas iam se emendando e cortando uma a outra ao longo da viagem. Uma dizia em que a filha era formada e a outra cortava dizendo que o filho tinha duas faculdades, a outra dizia o números de imóveis que tinha na cidade e a outra dizia o numero de lojas que possuía. Era uma questão de cortar pra não ficar por baixo. Elas falavam pouco delas, elas não tinha problemas a não ser aqueles que eram não problemas delas, mas sim dos maridos e dos filhos. Bem no final de tudo, para minha surpresa uma se levanta e diz para a outra já vou descer nesse ponto e a senhora. A outra diz que também ira descer. E nisso uma diz:
_ Qual é o seu nome?
_ Luiza.
_ E o seu?
_ Ana Cristina.
_ Foi um prazer te conhecer.
_ Nada, prazer todo meu.
Realmente fiquei sem entender essa amizade que nascia ali dentro daquele ônibus. E passei acreditar que elas se merecem e podia apostar na salvação, ainda, de suas vidas classe média vazia de algo que nem me atrevo, uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos.

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