Perdemos a capacidade de encantamento e gentileza. Dia
desses, assisti a um comercial de picolé
que me provocou grande sensação de esperança no mundo. A marca promovia o
inesperado prazer da surpresa, naquela tão corrida hora do nosso cotidiano. Ao
chegar à loja o felizardo (a) que comprasse um picolé teria a surpresa da moça
do caixa dizendo que alguém já
deixou pago aquele picolé. Foi um presente!
Por mais que eu saiba das garras
do mundo capitalista, nos ameaçando com suas promessas de algo que nós vai fazer
feliz a todo tempo, suspirei fundo. Ainda sinto muita falta desse tempo no
mundo de hoje: o tempo da delicadeza. Estamos cada fez mais procurando apetrechos para nos deixar mais complexos e
menos simples. O simples que é o mais
bonito na espécie humana anda em extinção. Nos tornamos complexos e alienados.
O texto da psicóloga,
psicanalista, mestra em ciências sociais da Ufba, Amélia Almeida nos questiona exatamente
isso: perdemos a leveza de lidar um com o outro. Cada vez mais em busca do
nosso objeto de desejo estamos nos afastando um do outro. Formando o bloco do eu sozinho.A sociedade brasileira tem
marcas dos longos períodos difíceis de maus tratos para com o seu povo. Da
escravidão passando pela ditadura se espremendo atualmente nas minorias do país
a fora. Ainda não conseguimos nos olhar
no espelho e nos reconhecer. Temos, ainda, aquela cara pintada?
Perdemos nossas forças pra quem?
Para aquela multidão que madruga
nas portas das lojas pra sair carregando geladeiras e televisões a preço de liquidação? Pra depois assistir na
mesma televisão a garota de apenas 14 anos vítima de acidente na av. paralela
esquartejada como se fosse a coisa mais natural. E nem ter tempo de pensar que a mesma
paralela a cada ano vem matando mães, pais, filhos, tio, tia, netos, avós...
Não. Perdemos o senso da gravidade que se tornou o trânsito de Salvador. Cada
vez mais a nova classe c cresce e mesmo crescendo e entupindo a cidade com seus
novos modelos, não conseguem esvaziar os ônibus que leva e busca aquela empregada
de Simões filho em direção a Pituba. Cenas fortes servindo de pano de fundo na
hora do almoço.
Somos a mesma sociedade em escala
menor e mais sofrida da sociedade do
espetáculo de Debord. Espremidos nos pontos
de ônibus, jogamos lixo no chão, ouvimos música e batucamos nos fundos
dos ônibus lotados. Todo ano nos apertamos e fazemos malabarismos com os nossos
cartões de créditos por conta das 12x fixas que compramos ingressos do
carnaval, do são João e da mesma televisão que nos tirou a força. Estamos
acostumados com esse aperto na vida e a
empurrar o outro pra que não perturbe o
nosso espaço. Não respeitamos o lugar do idoso, da mulher grávida, aqueles que
entram com sacolas nos ônibus. Cada vez mais tentamos diminuir as cordas que
prendem o nosso antigo carnaval. O bloco do eu sozinho coloca nas nossas
próprias mãos a corda em que iremos nos enforcar.
Se Salvador não acordar seremos
arrastados e violentados por nós mesmos.
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