quinta-feira, 21 de março de 2013

Acorda Salvador


Perdemos  a capacidade de encantamento e gentileza. Dia desses,  assisti  a um comercial de picolé que me provocou grande sensação de esperança no mundo. A marca promovia o inesperado prazer da surpresa, naquela tão corrida hora do nosso cotidiano. Ao chegar à loja o felizardo (a) que comprasse um picolé teria a surpresa da moça do caixa dizendo que alguém já deixou pago aquele picolé. Foi um presente!
Por mais que eu saiba das garras do mundo capitalista, nos ameaçando com suas promessas de algo que nós vai fazer feliz a todo tempo, suspirei fundo. Ainda sinto muita falta desse tempo no mundo de hoje: o tempo da delicadeza. Estamos cada fez mais procurando  apetrechos para nos deixar mais complexos e menos simples. O simples que é  o mais bonito na espécie humana anda em extinção. Nos tornamos complexos e alienados.
O texto da psicóloga, psicanalista, mestra em ciências sociais da Ufba, Amélia Almeida nos questiona exatamente isso: perdemos a leveza de lidar um com o outro. Cada vez mais em busca do nosso objeto de desejo estamos nos afastando um do outro. Formando o  bloco do eu sozinho.A sociedade brasileira tem marcas dos longos períodos difíceis de maus tratos para com o seu povo. Da escravidão passando pela ditadura se espremendo atualmente nas minorias do país a fora.  Ainda não conseguimos nos olhar no espelho e nos reconhecer. Temos, ainda, aquela cara pintada?
Perdemos nossas forças pra quem?
Para aquela multidão que madruga nas portas das lojas pra sair carregando  geladeiras e televisões  a preço de liquidação? Pra depois assistir na mesma televisão a garota de apenas 14 anos vítima de acidente na av. paralela esquartejada como se fosse a coisa mais natural.  E nem ter tempo de pensar que a mesma paralela a cada ano vem matando mães, pais, filhos, tio, tia, netos, avós... Não. Perdemos o senso da gravidade que se tornou o trânsito de Salvador. Cada vez mais a nova classe c cresce e mesmo crescendo e entupindo a cidade com seus novos modelos, não conseguem esvaziar os ônibus que leva e busca aquela empregada de Simões filho em direção a Pituba. Cenas fortes servindo de pano de fundo na hora do almoço.
Somos a mesma sociedade em escala menor e mais sofrida  da sociedade do espetáculo de Debord. Espremidos nos pontos  de ônibus, jogamos lixo no chão, ouvimos música e batucamos nos fundos dos ônibus lotados. Todo ano nos apertamos e fazemos malabarismos com os nossos cartões de créditos por conta das 12x fixas que compramos ingressos do carnaval, do são João e da mesma televisão que nos tirou a força. Estamos acostumados com esse aperto na vida e  a empurrar o outro pra que não perturbe  o nosso espaço. Não respeitamos o lugar do idoso, da mulher grávida, aqueles que entram com sacolas nos ônibus. Cada vez mais tentamos diminuir as cordas que prendem o nosso antigo carnaval. O bloco do eu sozinho coloca nas nossas próprias mãos a corda em que iremos nos enforcar.
Se Salvador não acordar seremos arrastados e violentados por nós mesmos.



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