quarta-feira, 20 de maio de 2009

Ninguém parece se importar

Cristóvam Buarque inicia seu livro O QUE É EXCLUSÃO SOCIAL com a descrição da diversão de jovens abastados em frente a um McDonald’s de Brasília: “brincavam” de jogar batatas fritas no chão para meninos excluídos catarem, como quem joga pipoca a macacos.

Havia acabado de almoçar e me dirigir a um café que tem ao lado do super mercado Bom Preço, onde se tem da varanda uma bela vista para a rua.

Foi dali que avistei toda a ação de uma exclusão social. Havia na sinaleira um garoto negro, corpo franzino e aparentemente perto dos 8 anos de idade. Seu nome é Jorge Antonio e aprendeu o oficio de fazer malabares com cocos verdes sozinho. Ele realiza sua arte no cruzamento da Rua Pernambuco com Ceará aqui na Pituba. No intervalo de um sinal fechado, ele desenvolve sua performance com maestria. Fiquei horas ali no cruzamento observando e ele não parava: saia de um sinal, corria atrás das gorjetas e logo se posicionava ao outro sinal. O incrível é o desprezo dos motoristas para com Jorge. É uma verdadeira arte o que este garoto faz, mas uma população de alma e vidros fechados, não haveria de ter tal sensibilidade pra prestar atenção. São dois mundos distantes, cada qual com sua vida, cada qual com o seu problema, sem tempo para sentimentalismos. Jorge não consegue receber seu dinheiro, os vidros escuros não deixam mostrar nada. Do lado de dentro homens e mulheres falando ao celular, ouvindo suas músicas e se sentindo viver num país legal. Houve que risse da desproporção entre o tamanho do coco e o próprio garoto.

Sei que o lugar de Jorge seria na escola, contudo sabemos que aqui em Salvador existe um número ainda assustador de analfabetos. Jorge faz parte desta estatística. Com certeza esse dinheiro vai ser encaminhado ao sustendo da casa. Pensei em que sonhos esse garoto haveria de ter na vida? Acreditamos normalmente participar desse ciclo de violência apenas como espectador dos noticiários e grandes narrativas da televisão. Jorge um dia vai cansar e vai virar notícia como aquele jovem que roubou o relógio de um apresentador de televisão, lembra? E nos negamos a enxergar e tentar se mobilizar para sairmos do ponto zero. As elites cidadãs dificilmente percebem sua própria barbárie.

Não quero criar um juízo de valor se devemos ou não dar esmolas a garotos que se apresentam no sinal. Mas quero deixar um alertar aqui: esses garotos são pra mim os verdadeiros heróis do dia a dia. Se você que gosta de assistir a reality show e sempre vota em alguém para ser eliminado (e posteriormente vê-lo nas revistas pornográfica) pense em gastar seu dinheiro com instituições que prestam serviço social a jovens talentosos. Essas que podem fazer com que garotos como Jorge Antonio possa realmente fazer o seu trabalho para pessoas com sensibilidade de espírito. Caso contrário viverão de lutar para que suas vidas ainda sejam preservadas enquanto seus acessórios de grifes serão levados para o sustento das famílias desses garotos “qualquer”.

Milton Santos pra finalizar:

Tem um nível da sociedade que tem acesso à percepção e reproduz percepção, que não percebe que o país é muito mais rico, muito mais complexo e avança muito mais do que as pessoas percebem, enxergam e dizem. Tem um nível de solidariedade muito maior do que as pessoas percebem, enxergam e dizem. Então tem outro país além desse oficial que é esse que a gente vive.

Um comentário:

Gabriela T. disse...

esse texto me impressionou demais. primeiro porque é forte - e dói. segundo porque, claramente, pela discussão que tivemos no último domingo, antes mesmo de eu saber desse blog, temos (mais) algo em comum: nossos ombros não suportam o mundo. ainda bem.

:)