"O sentimento de integridade é o nosso único pedacinho, mas nele somos livres"
O
filme de V de Vingança (Título original: V for Vendetta) foi baseado em HQ publicado por Alan Moore e arte de David
Lloyd. Alan Moore é um autor britânico que começou escrevendo e ilustrando HQs,
mas logo percebeu que seu talento se restringia a escrever roteiros de Graphic Novels.
Abandonou a carreira de ilustrador e escreveu, durante os anos 80, a graphic
novel “V de Vingança”, uma crítica disfarçada aos governos totalitários – que
foi escrito na época que a Inglaterra vivia sob governo de Margareth Thatcher,
que ficou conhecida como “Dama de Ferro”. A versão para o cinema surgiu no ano
de 2006 tendo como diretor James Mcteigue, e produzido pelo os irmãos Wachowski.
Existem muitas afirmações de que o
conteúdo dos quadrinhos é bem superior
ao filme, contudo, mesmo assim, o filme não perde sua genialidade se mantendo
com uma das grandes genialidades do cinema mundial.
O
filme se passa numa Inglaterra futura e
totalitária. Nesse contexto que não
sabemos se é real ou imaginário surge Evey , protagonizado pela brilhante atriz
Natale Portman. Ao sair de casa numa determinada noite ela é surpreendida por
dois rapazes e salva por um sujeito mascarado que mais tarde temos a
consciência que é o próprio V ( Hugo Weaving), que é extremamente carismático e
habilidoso na arte do combate e da destruição. Sabemos que existe um governo
totalitário e um povo que vive sobre a pressão das verdades desse Chanceler. Também
temos a impressão de que é mais um filme de ficção com um justiceiro lutando a
favor da sociedade tendo questões política como pano de fundo. O filme na
realidade é grandioso por apresentar muitas referências de signos e significados
nos detalhes de cada cena. Com esse viés proponho a analisar a presença da
semiótica e o referencial usado pelo
diretor para transmitir a mensagem.
O
filme começa e termina com a destruição de algo simbólico e construído para
criar um significado na sociedade que é o parlamento. Tanto no começo, quanto
no final da trama a destruição é realizada ao som do prelúdio de Tchaicovsky. A
destruição é feita como um espetáculo grandioso com uma trilha e fogos de
artifícios. O filme apresenta logo nos primeiros minutos uma série de conceitos
semióticos complexo de entender se não buscarmos uma relação entre o signo e o referente.
Dada
a complexidade da linguagem humana, seus signos e respectivas significações,
Barthes, além de definir a semiótica como sendo a ciência que se ocupa do
estudo de qualquer sistema de signo, considerando suas substâncias e/ou
limites, também refuta Saussure, quando diz que: "A Lingüística não é uma
parte, mesmo privilegiada, da ciência dos signos: a Semiologia é que é uma parte
da Lingüística; mais precisamente, a parte que se encarregaria das grandes
unidades significantes do discurso" (BARTHES, 1991, p. 13).
Com base nos fundamentos de
Barthes podemos analisar os discursos que prevalecem no filme:
Temos
um governo dominador e que se apropria de um discurso totalitário para gerar o
medo na sociedade. A manipulação se torna mais latente no toque de recolher
quando Evie é interceptada na rua pelos “homens dedo”. Os funcionários do
estado, a captação das conversas do interior das casas, a proibição de posse de
obras de arte, além de controlar o que as pessoas podiam comer, sendo que o
acesso a alguns alimentos era privilégio do governo. O filme retrata um governo
que detinha o poder de todos os segmentos da sociedade, inclusive dos programas
de televisão que noticiavam apenas e tão somente as mentiras usadas para
manipular a verdade.
A
utilização da mídia para fins políticos e ideológicos, não é novidade e se
constituiu não só como um eficiente disseminador de ideologias e estereótipos, mas
como instrumento manipulado não só pelo Estado, mas também pelos próprios
grupos terroristas. A televisão até na atualidade usa desse poder político para
ditar regras. E as palavras podem causar
estragos como cita Bourdieu “ Acontece-me ter vontade de retomar cada palavra dos
apresentadores que falam muitas vezes levianamente, sem ter a menor idéia da
dificuldade e da gravidade do que evocam e das responsabilidades em que
incorrem ao evocá-la diante de milhares de telespectadores, sem as compreender
e sem compreender que não as compreendem. Por que as palavras fazem coisas,
criam fantasias, medos, fobias ou, simplesmente representações falsas”
(Bourdieu,1997,p.26). No decorrer do filme
temos a dramatização da notícia relatando fatos que só interessam a eles e do
ponto de vista e estratégico deles para continuar a manipulação. No filme é claro
a disposição de fabricar a noticia “será que as pessoas vão acreditar? Nosso
dever é dar as noticias, fabricar é com o governo”, diz uma passagem do filme
em que o governo tem controle total
sobre a mídia. Atenção ao detalhe estético da imagem do nariz do Chanceler, que
não o agrada, resultando na demissão do diretor de fotografia.
Temos
a própria mascara do V que representa algo que existe por trás daquele
justiceiro. A máscara que o personagem usa, é baseada no rosto do inglês Guy
Fawkes, que em 5 de novembro de 1605 tentou explodir o parlamento da Inglaterra
e assassinar seus membros, junto com o rei Jaime I. A conspiração que Guy
participou foi chamada de "A
Conspiração da Pólvora". É muito comum hoje em dia a presença da máscara
em várias manifestações políticas mundo
a fora e até mesmo no Brasil. Interessante ressaltar que por trás da máscara
existe um ideal que é mais importante que a matéria viva. “Idéias não sagram”. Alguém
que se esconde de algo. Usamos uma espécie
de máscara social em diferentes momentos da nossa vida social. Usamos a mascara
pra qual finalidade? Para nos esconder? Se a pergunta for sim, esconder
propriamente de que? Existe algo em nós
que não pode ser revelado? No filme a idéia forte da representação simbólica se
faz através do uso da máscara do V de vingança. "Um
símbolo sozinho pode não representar nada, mas se todos se juntam, um símbolo
pode significar muito, pode significar a mudança de um país."
Temos
a estética do vermelho em todo filme, quase em todos os planos existe uma
referência a cor vermelha que prevalece como marca do fascismo. O vermelho
simboliza o poder, é a cor que se associa com a vitalidade e a ambição. O
vermelho é uma cor emocionalmente carregada. Como é a cor mais larga do aspectro
de cores visíveis ela é muito marcante e isso se traduz em suas conotações
que são sempre extremas: extrema coragem, extremo amor, perigo e inferno. Essa
cor predomina como marcar simbólica e extrema no filme. Para cada morte existe uma rosa
vermelha. Para cada plano sempre surge um ponto de atenção a cor vermelha.
O
povo dá poder ao símbolo e sem o povo o símbolo não tem significado. No
decorrer de toda a trama temos mensagens subliminares, algo que existe por trás
do discurso. As canções, os filmes apresentados na trama, o parlamento, as
questões humanitária e o espaço simbólico são representados o tempo todo e
sabemos que somos parte desse discurso pregado em V de vingança. “O país não precisa de um prédio e sim de
esperança”. O amor, mesmo que homossexual,
é o sentimento mais bonito. Precisamos de balas de esperança e um olhar
apurado para a escolha de um novo mundo. Perdemos a noção do real porque de
modo inconsciente tudo se aglomera da mesma forma, como um conjunto de
informações, percepções, analises, intuições. Existe uma representação de
imagens, reflexos da realidade. Produzimos e consumimos bens simbólicos e sem os signos, nada existe: nem comunicação
e muito menos linguagem. Resta uma pergunta com base na idéia principal do
filme: Estamos achatados no eterno presente e nossa maior preocupação tende a
ser com o que pode ser consumido aqui e agora. A velocidade, e não a duração é
o que vem importando. Somos indivíduos ou produtos da publicidade?
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